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Convergência contábil muda estruturas em empresas

Com o processo de convergência contábil, a área contábil das empresas precisou ampliar seu relacionamento com outras áreas para conseguir informações para suas contabilizações.

Empresas brasileiras que estão passando pelo processo de convergência contábil sofreram alterações em suas estruturas, inclusive na estrutura de poder, onde houve maior integração da área contábil com outras áreas organizacionais e melhor conhecimento da companhia por parte do contador. Essa foi uma das principais conclusões da tese de doutorado da professora e contadora Camila Pereira Boscov, defendida recentemente na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.

O objetivo do estudo foi analisar as principais mudanças organizacionais trazidas com o processo de implementação das normas contábeis internacionais, conhecidas como International Financial Reporting Standards (IFRS), nas empresas brasileiras, adotadas a partir de 2010 para as companhias abertas e instituições financeiras. Segundo Camila, essa implementação tem efeitos que vão além das questões técnicas, mudando também o modelo de condução dos negócios e de gestão empresarial.

Definidas como um conjunto único de normas contábeis de alta qualidade e aceitas globalmente, as IFRS foram desenvolvidas pelo International Accounting Standard Board (ISASB), um órgão normativo criado em 1973. A adoção das IFRS permitiu às entidades econômicas de diferentes lugares do mundo se comunicarem numa linguagem de negócios global, devido ao uso de um único conjunto de normas contábeis.

A tese intitulada Mudanças organizacionais observadas durante o processo de implementação dos pronunciamentos do CPC baseados nas IFRS foi orientada pelo professor Nelson Carvalho, membro do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entidade que lidera a convergência no Brasil. Foram analisadas, em profundidade, no período de agosto a dezembro de 2011, três grandes empresas brasileiras que adotaram as IFRS.

Mais prestígio

De acordo com o estudo, nas empresas pesquisadas foram criadas, para implementação e aprovação das normas novas, estruturas de governança com o objetivo de facilitar a comunicação com outras áreas e promover mecanismos de enforcement. “Com o processo de convergência contábil, a área contábil das empresas precisou ampliar seu relacionamento com outras áreas para conseguir informações para suas contabilizações. Em outras palavras, a contabilidade precisou entender muito mais do negócio da empresa e as áreas de negócio passaram a entender os impactos de suas ações nas estruturas de ativos e passivos, no patrimonial empresarial, no resultado das atividades, e no fluxo de caixa delas esperados”, explica Camila Boscov. Com relação às estruturas de poder, a autora constatou que o prestígio do profissional contabilista mudou, já que ele passou a ter uma maior proximidade com o conselho de administração. “O contador ganhou mais prestígio, mais poder dentro da empresa. Agora, ele é chamado previamente para dar opinião sobre o impacto contábil, quando existe uma decisão estratégica a ser tomada”.

Camila Boscov destaca, ainda, que o fato de as empresas terem uma sólida estrutura de governança ajudou em todo o processo. Em umas das empresas, as novas políticas contábeis eram aprovadas em diversos comitês internos. “Essa estrutura possibilitou a efetiva aplicação das políticas nas diversas áreas da companhia e estimulou a participação das diversas áreas”, descreve a pesquisadora. Em outra companhia, a situação observada foi a mesma. Os novos procedimentos contábeis eram discutidos com diretores e conselheiros do grupo. Depois disso, eles entraram em vigor nas diversas áreas.

Se por um lado houve um comprometimento interno com as mudanças, por outro os entrevistados relataram a dificuldade em convencer empresas parceiras, clientes e stakeholders sobre a necessidade de uma contabilidade mais refinada e a importância da auditoria em questões de consolidação, por exemplo. “Diversas reuniões foram necessárias para convencer que os benefícios superam os custos”, conta. Além disso, a área de relações com os investidores recebeu vários questionamentos dos acionistas, principalmente devido a mudanças na base de cálculo de dividendos. Segundo Camila, os investidores passaram a entender mais sobre os procedimentos contábeis e o impacto dessa contabilidade internacional no resultado da organização.

Outros impactos

Com a implementação das IFRS, as empresas pesquisadas tiveram de realizar diversas alterações em seus sistemas contábeis e o SAP Sistema de Informação (SAP) foi a ferramenta escolhida para isso. Há um consenso de mercado, segundo os entrevistados, de que o SAP é a melhor ferramenta para requerimentos contábeis. Outra mudança é que muitas informações que antes eram usadas somente para fins gerenciais passaram a ser utilizadas pelos sistemas contábeis na confecção das novas demonstrações financeiras. A área financeira precisou entender melhor os impactos do IFRS nas demonstrações contábeis consolidadas para verificar a necessidade de renegociar alguns covenants (cláusulas contratuais de títulos de dívida). A negociação com os bancos foi complexa, uma vez que muitos não entendiam os novos procedimentos contábeis.

Por fim, foi possível perceber mudanças nas pessoas com alterações no perfil profissional, gerando uma maior necessidade de treinamentos. “As empresas estavam acostumadas com as normas antigas e não tinham pessoas com formação específica para fazer a transição. Eles tiveram que contratar consultorias externas, realizar treinamentos internos e, por vezes, tiveram que aprender sozinhos as mudanças”, lembra Camila. Este estudo analisou, também, a resistência às mudanças e constatou que elas aconteceram em diferentes intensidades nas três empresas. Em duas das empresas analisadas os números gerados pelas IFRS ainda não são utilizados de forma integral em seus processos de tomada de decisões. (Agência USP de Notícias)

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